AGROPECUÁRIA
Pessoal ocupado
Segundo o Censo Agropecuário 2006 do IBGE, havia naquele ano, entre produtores, seus familiares que trabalhavam no estabelecimento e empregados temporários e permanentes, 16.414.728 pessoas ocupadas nos estabelecimentos agropecuários brasileiros, o que corresponde a 8,2% da população brasileira segundo a Contagem da População de 2007. Assim como a população rural, a população ocupada nos estabelecimentos agropecuários também se concentra na extensa faixa que acompanha a costa brasileira, mais espessa no Sul e no Nordeste. Entre 1996 e 2006, cerca de 1,5 milhão de pessoas deixaram as atividades agropecuárias - uma evolução de -8,46%. Este total representa quase a metade dos 3,2 milhões de pessoas (646.065 famílias) assentadas no mesmo período. Desta forma, na contramão da reforma agrária realizada pela política de assentamentos rurais, há um intenso processo de expulsão de pessoas que trabalham diretamente na agropecuária. O mapa da evolução do pessoal ocupado nos estabelecimentos (prancha 7.1) mostra uma evolução negativa na maioria das microrregiões brasileiras. O mapa de pessoas ocupadas por hectare apresenta um diferencial territorial que se assemelha ao mapa do pessoal ocupado, exceto pela Amazônia Ocidental, que possui altas taxas de ocupação por hectare. Isso ocorre por que a agropecuária na região é caracterizada por baixa tecnificação. O Centro-Oeste é caracterizado pelas menores taxas de ocupação por hectare, o que indica a região como exemplo mais extremo e intenso do agronegócio no país.
PRANCHA 7.1
A análise da população ocupada nos estabelecimentos também nos fornece pistas sobre a agricultura familiar e a agricultura capitalista. Para esta análise tomamos os dados de pessoal ocupado nos estabelecimentos agropecuários que possuem relação de parentesco com o produtor. Os dados mostram que a mão-de-obra no campo brasileiro é predominantemente familiar, o que compreende 78% do pessoal ocupado (12,8 milhões de trabalhadores). Entre os estabelecimentos agropecuários, apenas 13,8% (722.377) empregam mão-de-obra assalariada, seja ela temporária ou permanente. Os mapas da prancha 7.2 mostram que a mão-de-obra familiar é mais expressiva no Norte, Nordeste e Sul do país. As relações de assalariamento são mais importantes nos estabelecimentos da região que compreende São Paulo, Rio de Janeiro, sudoeste de Minas Gerais, Mato Grosso do Sul, Mato Grosso e Goiás. Esta é a região core da agricultura capitalista no Brasil.
PRANCHA 7.2
Com relação à evolução da mão-de-obra familiar e assalariada entre 1996 e 2006, é impossível mensurá-la segundo os dados do IBGE. No Censo de 1996 o instituto contabilizou como empregados permanentes os parentes do produtor que recebiam salário e, no Censo de 2006, diferentemente, esses trabalhadores foram contabilizados como parentes, ou seja, mão-de-obra familiar. Desta forma, por menos expressivo que possa ser este contingente de parentes assalariados, não é correto comparar esses dois dados, visto que a evolução verificada é superestimada e não é real. Contudo, o IBGE, na publicação dos resultados do Censo de 2006 (IBGE, 2007), que inclui a comparação com os censos anteriores, insistiu em realizar esta comparação e afirmou ter havido crescimento na proporção da mão-de-obra familiar entre 1996 (75,8%) e 2006 (78,4%), o que não é correto. A única afirmação possível é que a proporção da mão-de-obra familiar não cresceu ou então cresceu menos do que 2,6% entre 1996 e 2006.
Em 1996 o Censo Agropecuário mostrou que os estabelecimentos que mais geram ocupações no campo são os pequenos (até 200 ha), os quais eram, em 1996, responsáveis 87,3% do pessoal ocupado, enquanto nos médios e grandes estavam ocupados apenas 12,5% dos trabalhadores rurais.
TABELA 7.1 – Pessoal ocupado segundo
grupo de área total em 1996
Tratores
Em 2006 apenas 9,9% dos estabelecimentos agropecuários possuíam trator. Para os EUA, em 2002, esta porcentagem era de 89,3%, sendo que 33,1% dos estabelecimentos possuíam dois ou três tratores. Na França, em 2000, os estabelecimentos agropecuários com tratores representavam 84% do total. O mapa 7.1 mostra a concentração dos tratores no Sul, parte do Sudeste e Centro-Oeste. Essas são as regiões com a agropecuária mais moderna no país. Por outro lado, os tratores são raros no Nordeste e Norte. Mesmo que os tratores sejam mais numerosos no Sul, Sudeste e Centro-Oeste, a proporção de estabelecimentos com tratores ainda é pequena. Por ser um indicador básico de tecnologia no campo, a partir dos dados sobre tratores nos estabelecimentos agropecuários é possível conjecturar sobre a intensidade de outros tipos de tecnologia e serviços no campo brasileiro, que provavelmente é ainda menos comum.
MAPA 7.1
Produção agropecuária
Os dados macroeconômicos do Brasil e de sua balança comercial o caracterizam como um país urbano-industrial que tem como âncora no capitalismo mundial a exportação de alimentos que faltam para milhões de brasileiros miseráveis. O Brasil é o 23º importador e o 27º exportador mundial em valor das mercadorias totais (dados de 2006). Quando analisamos semente os produtos agropecuários, o país é o 5º maior exportador, ficando atrás somente de EUA, França, Holanda e Alemanha. Na importação de produtos agropecuários o país aparece apenas em 36º lugar, enquanto EUA, França, Holanda e Alemanha estão entre os seis primeiros. Em 2006 a agropecuária correspondia a 5,2% do PIB nacional, porém foi responsável por 92% do superávit total da balança comercial brasileira. Em 2006 o Brasil exportou US$ 137 bilhões, sendo o setor agropecuário responsável por US$ 49 bi. O superávit total da balança comercial brasileira foi de US$ 46 bi, dos quais US$ 42 bi referentes ao setor agropecuário, já que os outros setores, apesar de exportarem, são grandes importadores.
Do valor total das exportações agropecuárias brasileiras, cerca de 80% são relativos a apenas nove produtos/complexos, os quais são responsáveis por 73,4% de toda área plantada e por 84,7% do superávit da balança comercial dos produtos agropecuários. O saldo positivo da balança comercial agropecuária em 2006 estava dividido da seguinte maneira: soja 21,7%, carnes 20%, sulcroalcooleiro 18,2%, café 7,9%, couro 7,6%, fumo 4%, sucos de frutas (principalmente laranja) 3,7%, produtos florestais 1,5% e algodão 0,7. Consideramos que esse produtos/complexos mais o milho constituem o agronegócio brasileiro. A tabela 7.2 mostra mais detalhes sobre a importância econômica desses produtos para o Brasil, cuja agricultura o agronegócio transformou em “um negócio rentável regulado pelo lucro e pelo mercado mundial.” (OLIVEIRA, 2003, p.121).
Para melhor entender a inserção do Brasil no capitalismo mundial, é necessário diferenciar produção agropecuária de agronegócio. Nem tudo que é agropecuária é agronegócio. Como forma de engrossar ainda mais o discurso produtivista do agronegócio, o governo brasileiro e as organizações ligadas ao agronegócio consideram o total da agropecuária como seu sinônimo, o que provoca uma confusão conceitual e operacional que desarticula a defesa do sistema camponês. Ao selecionarmos esses produtos, tomamos como referência as discussões realizadas no capítulo 7, onde adotamos o conceito de agronegócio como um conjunto de sistemas (DAVIS e GOLDBERG, 1957; WELCH e FERNANDES, 2008). Partimos desse referencial para classificar as culturas como do agronegócio ou não e para isso analisamos o peso econômico da cultura na balança comercial, seu caráter de commodity e o sistema predominante segundo o qual são desenvolvidas no país. As justificativas da classificação seguem abaixo.
Soja: é o produto mais evidente do agronegócio brasileiro. Sua produção, de caráter monocultor, ocupa 22 milhões de hectares, que corresponde a 35,4% da área total de lavouras do país. O Brasil é o segundo maior exportador de soja do mundo (dados de 2004) e cerca de 65% da produção está concentrada em estabelecimentos médios e grandes, com mais de 200 ha. A maior parte da produção, perto de 75%, é exportada para alimentar os rebanhos, principalmente de países ricos, e a cadeia produtiva é dominada por um pequeno grupo de empresas transnacionais que dominam o sistema na produção, processamento e venda no mundo.
Carne: embora o consumo interno seja significativo, o Brasil é o segundo maior exportador de carne do mundo. A carne bovina e de frango são as principais, com quase o mesmo valor exportado. Cerca de 60% do rebanho bovino está nas médias e grandes propriedades, sendo que a criação de gado bovino no Brasil está ligada ao latifúndio. A pecuária bovina é extremamente extensiva e correntemente utilizada como forma de manter o latifúndio pela justificativa de produtividade. O rebanho de aves (frango, franga, galinhas e galos) encontra-se principalmente nos pequenos estabelecimentos, onde a criação é feita com uso de mão-de-obra familiar. Contudo, o sistema predominante de produção no Brasil é o de “integração” de estabelecimentos familiares a poucas grandes empresas do setor, o que caracteriza uma produção camponesa subordinada ao agronegócio, pois os produtores familiares não têm o controle do sistema.
Cana-de-açúcar: o intenso debate sobre os agrocombustíveis coloca o etanol brasileiro em evidência nas negociações mundiais. A grande questão é que não se trata apenas de um combustível, mas de agricultura. O dilema dos agrocombustíveis envolve duas grandes questões sobre as quais a humanidade tem debatido: a suficiência alimentar e a suficiência energética. Os agrocombustíveis constituem mais uma forma de comoditização do campo que incita uma concepção de campo como lugar de produção econômica, sufocando sua diversidade. A cana-de-açúcar ocupa cerca de 10% da superfície cultivada no Brasil. O país é o primeiro exportador de açúcar, com o dobro das exportações do segundo colocado – a França. O açúcar e o álcool correspondem a 5,7% das exportações brasileiras. A cana-de-açúcar é a cultura com maior concentração nos estabelecimentos médios e grandes, sendo os pequenos estabelecimentos responsáveis por apenas 19,8% de sua produção total.
Madeira, celulose e papel: no extrativismo vegetal a produção de madeira para a exportação se beneficia do processo incontrolado de ocupação da Amazônia com o avanço da fronteira agropecuária. Além disso, a extração ilegal e exportação são sabidamente correntes no setor madeireiro. Na silvicultura, quando as árvores são plantadas, o setor é dominado por grandes empresas transnacionais que formam desertos verdes, principalmente para a produção de celulose e papel. Também o setor é marcado por projetos como o Jarí, que em plena Amazônia substituiu imensas áreas de florestas naturais por monoculturas de árvores exóticas. A produção ocorre de forma totalmente autônoma pelas empresas, desde o plantio até a transformação, sem qualquer resquício de produção camponesa. As exportações desses produtos correspondem a 5,2% do valor total das exportações brasileiras.
Café: o Brasil e o maior produtor e exportados de café do mundo. Cerca de 60% da produção brasileira é exportada e o produto corresponde a 2,4% do valor total das exportações brasileiras. Apesar de 70% da produção ser de responsabilidade de pequenos estabelecimentos, por ser uma commodity, o camponês participa de forma subordinada no sistema do agronegócio do café, visto que as exportações são controladas por grandes empresas do setor.
Fumo: o Brasil é o quinto maior exportador de fumo do mundo. Para a produção, semelhante com o que ocorre com a produção de frangos e galinhas, as empresas transnacionais cooptam o campesinato, que produz nos pequenos estabelecimentos 99,5% do fumo em folha.
Laranja: é outro produto cujo complexo de produção e industrialização é dominado por um pequeno conjunto de empresas e a produção é destinada majoritariamente para a exportação. No Brasil são apenas quatro processadoras de suco (WELCH e FERNANDES, 2008) e o país é o primeiro exportador de suco de laranja do mundo. O produto corresponde a 1,1% das exportações totais do país. Cerca de metade da laranja produzida no Brasil está nos estabelecimentos pequenos, que produzem de forma subordinada.
Milho: apenas nove por cento da produção de milho brasileira foi exportada em 2006 e ainda foram importados naquele ano 956.000 toneladas do cereal. O milho faz parte da base alimentar brasileira e por isso é produzido em grande parte dos estabelecimentos agropecuários, sendo os pequenos responsáveis por quase metade da produção. Consideramos o milho como parte do agronegócio por que grande parte da produção é feita nos médios e grandes estabelecimentos, sob as regras do agronegócio e também por que é a base da alimentação para a criação de frangos, galinhas e porcos, responsáveis por 3% do valor total das exportações brasileiras. Desta forma, sua exportação é indireta. Sua produção em grande escala é controlada pelas companhias transnacionais do agronegócio e pelas empresas produtoras de carne de aves e de suínos.
Algodão: é a cultura economicamente menos significativa no agronegócio brasileiro e corresponde a apenas 0,2% das exportações totais e 0,7% das exportações agropecuárias. Um terço da produção brasileira é exportado, sendo que 50% da produção está nos estabelecimentos pequenos. A produção está concentrada no Centro-Oeste brasileiro, locus privilegiado do agronegócio. De acordo com Oliveira (2003) o caso do algodão é exemplar no que diz respeito à ênfase no lucro e do mercado mundial, característicos do agronegócio. O país exporta o produto e as indústrias nacionais têm que importá-lo. A necessidade de importação de algodão incentiva a substituição da fibra natural por fibras sintéticas, inadequadas ao clima do país.
TABELA 7.2 – Agronegócio brasileiro em 2006
O caráter altamente exportador do agronegócio brasileiro vai contra o princípio básico da soberania alimentar – exportar o excedente às necessidades do povo (TEXEIRA, 2004) - pois, como já demonstramos, os dados do IBGE indicam que em 2004 72.260.000 brasileiros (39,6% da população) residiam em domicílios com algum tipo de insegurança alimentar (leve, moderada ou grave). Os dados da FAO indicam que a desnutrição atinge sete por cento da população brasileira, cerca de 13 milhões de pessoas. De acordo com Oliveira (2003) o agronegócio é uma forma de inserção da elite brasileira no capital mundial e “a inserção cada vez maior do Brasil no agronegócio deriva de seu papel no interior da lógica contraditória do capitalismo mundializado. É respondendo a esta lógica que se exporta para importar e importa-se para exportar.” (p.120). Também Teixeira (2004), ao analisar a posição subordinada do Brasil na economia mundial, afirma que a grande expansão do agronegócio brasileiro e o investimento dos governos no setor é resultado da vulnerabilidade externa da economia brasileira, de forma que o superávit conseguido na balança comercial é utilizado para liquidar parcialmente os compromissos da dívida externa em detrimento dos investimentos e gastos sociais. Ou seja, o agronegócio é a única possibilidade de que o Brasil continue a ser um bom pagador de suas dívidas externas e da participação do país no capitalismo mundial de forma subordinada. Esta situação é fruto da divisão internacional do trabalho e da forma como o Brasil tem sido governado.
Os dados representados no gráfico 7.1 evidenciam a vulnerabilidade econômica do agronegócio. Os produtos agrícolas, apesar do crescimento constante das exportações, têm perdido progressivamente importância no interior das exportações totais do mundo. Desta forma, para que o Brasil continue mantendo a atual inserção no capitalismo mundial com base no agronegócio, será necessário um esforço constante no crescimento da produção e da produtividade, o que implica, no contexto atual, em continuar o avanço da fronteira agropecuária e a intensificação do modelo produtivista, característico do agronegócio. A forma como o Brasil se insere no capitalismo mundial é insustentável para o país frente à evolução que a economia mundial. Esta subordinação, imposta pelo neoliberalismo e aceita pelos diversos governos de forma passiva, agrava ainda mais os problemas da questão agrária brasileira, visto que a manutenção das estruturas fundiária e produtiva concentradas é crucial para o desenvolvimento do agronegócio.
GRÁFICO 7.1 – Agricultura no mercado mundial
Analisado o quadro geral da agropecuária brasileira e contextualizado no seu interior o agronegócio, vejamos como se dá territorialmente a produção agropecuária no país. De forma geral a quantidade produzida e o valor da produção da agropecuária estão concentrados nas regiões de ocupação consolidada, em especial no Sul, Sudeste e Centro-Oeste. A região Sul e o estado de São Paulo apresentam maior diversidade e dinâmica na produção agropecuária e a região Centro-Oeste concentra a produção das culturas temporárias do agronegócio e a produção animal, com destaque para o gado bovino. O estado de São Paulo se diferencia em relação à distribuição da terra, tecnologia e mão-de-obra empregada, configurando um caso específico; ele constitui a transição entre a agricultura predominantemente camponesa e altamente produtiva do Sul e a agricultura intensamente capitalizada do Centro-Oeste. No Norte a extração vegetal é predominante e o rebanho bovino é crescente na frente pioneira da fronteira agropecuária. O Nordeste, por ser uma região de ocupação antiga com grande contingente populacional e grandes taxas de ruralização, apresenta contribuições nas diversas produções de forma territorialmente dispersa e com picos locais de especialização. De modo geral, a região é caracterizada por baixos índices de produtividade e predominância das culturas alimentares.
PRANCHA 7.3
Lavouras temporárias
Em 2006 as lavouras temporárias totalizavam 57,9 milhões de hectares e correspondiam a 16,3% da área total dos estabelecimentos agropecuários. Entre 1996 e 2006 houve diminuição de um milhão de hectares das áreas de lavouras temporárias. As culturas que ocupam a maior proporção de área são aquelas do agronegócio e também as culturas de base da alimentação brasileira como feijão, arroz, mandioca e trigo. Na prancha 13.2 a análise dos mapas da soja, milho e algodão permite selecionar o território mais intenso do agronegócio no Brasil, configurado na região que ocupa o centro e o sul do Mato-Grosso, o sul de Goiás e o oeste da Bahia. Essa região é comum a esses três importantes produtos do agronegócio. O milho, apesar de ser muito significativo nessa região, também é produzido por todo o país por estar na base alimentar do brasileiro. O fumo produzido principalmente na região Sul, onde os camponeses são subordinados às empresas fumageiras. A laranja está concentrada no estado de São Paulo, que produz quase a totalidade do suco de laranja no país. A prancha 7.5 apresenta os produtos essenciais ao abastecimento interno. Feijão e mandioca são as culturas produzidas com maior homogeneidade no país. A influência indígena na dieta da população da região Norte faz com que a mandioca seja cultura particularmente expressiva na região. O arroz, apesar de ser produzido em todo o Brasil, está concentrado principalmente no Sul, mas Maranhão e o Mato-Grosso também são importantes no abastecimento. A produção de trigo se concentra no Sul, onde as condições climáticas são mais adequadas, contudo, com a irrigação e o desenvolvimento de pesquisas pela Embrapa, o trigo também é produzido no oeste de Minas Gerais e leste de Goiás. O objetivo das pesquisas é permitir a expansão da cultura do trigo para o Centro-Oeste.
Como veremos doravante, os pequenos estabelecimentos agropecuários são responsáveis pela maior parte da produção agropecuária brasileira, embora detenham apenas cerca de 29% da área total (dados do Censo Agropecuário 1996). A tabela 7.3 mostra que apenas a produção de arroz, cana-de-açúcar, melão e soja são produzidas majoritariamente em estabelecimentos médios e grandes. Com exceção do trigo, todas as culturas selecionadas apresentaram crescimento na produção acima de 27%, sendo mais importante o aumento das culturas do agronegócio, como o algodão, a soja, o fumo e a mamona, esta última utilizada na produção de biodiesel. Contraditoriamente, culturas como arroz, o feijão e o trigo apresentaram crescimento inferior ao dessas commodities do agronegócio.
TABELA 7.3 – Lavouras temporárias
PRANCHA 7.4
PRANCHA 7.5
Como demonstrado, a soja é a cultura mais importante do agronegócio brasileiro. A expansão da produção de soja pode ser tomada como um indicador na territorialização do agronegócio. A grande questão em debate atualmente é a expansão das culturas do agronegócio sobre a Amazônia. A área plantada de soja no Sul, onde foi primeiramente cultivada no país, apresentou diminuição desde o início da década de 1990. A produção se territorializou em direção ao Centro-Oeste, hoje responsável pela maior parte da produção da oleaginosa. O mapa 7.2 mostra a importância da produção de soja na área de lavouras temporárias e permanentes em 2006 nos municípios brasileiros. Ela é predominante principalmente em municípios do Centro-Oeste, oeste da Bahia e sul dos estados do Piauí e do Maranhão. Todos os dez municípios que mais produziram soja em 2006 apresentaram mais de 58% da área de lavouras (temporárias e permanentes) plantada com soja: Sorriso - MT (83,2%), Nova Mutum - MT (79,1%), Sapezal - MT (76,23%), Campo Novo do Parecis - MT (73,7%), Diamantino - MT (76,12), Lucas do Rio Verde - MT (58,3%), Nova Ubiratã - MT (82%), Jataí - GO (61,4%), São Desidério - BA (61,9) e Rio Verde - GO (72,5%). Como a agropecuária é determinante nesses municípios, a soja, como principal cultura, determina as relações e os objetos e cria um verdadeiro território desta cultura do agronegócio. Nessas regiões, as tradings, como são chamadas as empresas que compram a produção do agronegócio, têm importância crucial; o local é totalmente subordinado ao global, já que a monocultura commoditizada tem grande influência nas ações de crescimento econômico local. Municípios como Nova Mutum, Sorriso, Lucas do Rio Verde e Sinop apresentam um cenário de desenvolvimento. Por estar ancorado na monocultura este cenário é frágil e está totalmente submetido ao seu bom desempenho econômico.
MAPA 7.2
No mapa 7.3 foram explorados os dados da área plantada de soja entre 1990 e 2006. As microrregiões com crescimento mais intenso da área plantada de soja a partir de 2000 estão localizadas no norte da região consolidada da fronteira agropecuária. Dentre essas microrregiões as principais são Arinos - MT, Sinop - MT, Paranatinga - MT, Norte Araguaia - MT, Porto Nacional - TO, Jalapão - TO, Alto Parnaíba Piauiense - PI e Alto Médio Gurgéia - PI. Na região Sul do país há uma tendência geral de diminuição da área plantada com soja e ainda microrregiões com estabilização da área plantada e sutil diminuição a partir de 2003.
MAPA 7.3
O mapa 7.4 é uma síntese dos mapas 7.2 e 7.3. Nele, representamos o território e a territorialização da produção de soja. Para definir o território tomamos a porcentagem da área plantada com soja, visto que são impactadas diversas dimensões do espaço dos municípios nos quais a produção de soja é intensa. Toda a infra-estrutura é pensada para servir o agronegócio da soja. Cidades crescem de forma totalmente subordinada entorno desses pólos do agronegócio. A territorialização foi definida pela região onde a área plantada tem aumentado. De forma geral, a intensidade do território da soja segue o caminho histórico da sua territorialização, que se iniciou no sul e se expandiu para o Centro-Oeste, onde o território hoje é mais intenso e se territorializa em direção ao Norte. Holanda, Alemanha, França, Espanha, Itália, Irã, China, Índia, Tailândia, Nova Zelândia e Uruguai são os países para onde a produção de soja de 2005 foi destinada. Esses países contribuem com o processo de destruição da Amazônia. Esses países ajudam a comer a Amazônia, como destaca o Greempeace (2006) em uma de suas publicações.
MAPA 7.4
Lavouras permanentes
Entre 1996 e 2006 a área de lavouras permanentes aumentou 11,3 milhões de hectares, um acréscimo de 149%, e totalizava em 2006 18,8 milhões de hectares. As principais culturas em área plantada são café, banana e laranja. As culturas permanentes são territorialmente concentradas, a não ser pela banana, cultivada por todo o país. Quase todas as culturas selecionadas são produzidas majoritariamente por pequenos estabelecimentos, exceto a borracha e a maçã, distribuídas quase igualmente entre os três tipos de estabelecimentos, e o dendê, produzido principalmente em grandes estabelecimentos.
TABELA 7.4 – Lavouras permanentes
PRANCHA 7.6
Extrativismo vegetal
A investida sobre a floresta amazônica faz com que o extrativismo vegetal seja importante na agropecuária brasileira. O extrativismo predatório de madeira é conflitante com o extrativismo dos povos da floresta, que vivem da exploração dos produtos da floresta, para o que precisam dela viva. A exploração de madeira nativa da Amazônia está associada à abertura de novas áreas para a especulação fundiária e futura territorialização do agronegócio; é a primeira etapa do latifúndio. É necessário discernir entre o extrativismo na floresta e o extrativismo da floresta. Como demonstramos, não há necessidade de se derrubar nem mais uma árvore para o desenvolvimento da agropecuária no país. Desta forma, toda derrubada de árvore, seja legal ou não, é socialmente injustificável. As autorizações de desmatamento que o governo continua distribuindo mostra a sua conivência com o modelo agrário do país. A atividade extrativa madeireira é desnecessária e tem como único fim enriquecer os donos de madeireiras. O discurso de que a população depende dos empregos gerados pela atividade extrativa madeireira não pode ser aceito. Cabe ao Estado exercer seu papel e fazer com que a riqueza gerada no país ampare essas populações em favor do bem comum.
Com exceção da madeira, todos os produtos do extrativismo vegetal selecionados são extraídos principalmente nos pequenos estabelecimentos. O que indica que essa população pratica o extrativismo na floresta. Produtos como o babaçu, açaí, castanha-do-pará, umbu e pinhão, que demandam bastante mão-de-obra para a extração e pré-beneficiamento, são extremamente predominantes nos pequenos estabelecimentos. A extração de madeira(26)predomina no arco do desflorestamento e a lenha, fonte energética, é significativa em todo o país, com exceção de São Paulo, Rio de Janeiro e Espírito Santo e é particularmente expressiva no Norte e Nordeste. Látex e castanha-do-pará são específicos do Acre, Amazonas e Pará. O carvão predomina nas áreas de destruição do cerrado no oeste da Bahia, norte de Minas Gerais e leste do Mato Grosso do Sul e também na região de intenso desflorestamento da Amazônia no Pará e no Maranhão.
TABELA 7.5 – Extrativismo vegetal
PRANCHA 7.7
Silvicultura
A silvicultura é atividade típica dos grandes estabelecimentos, já que o cultivo de árvores requer muito tempo para retornar os investimentos e a mobilização da terra. A cultura de árvores para a produção de celulose e papel é um dos setores do agronegócio com maior crescimento e se concentra no Sul e Sudeste, além do projeto Jarí, no Pará e Amapá, que substituiu áreas de floresta amazônica por espécies exóticas como o pinho. A produção de carvão vegetal a partir de árvores plantadas se concentra em Minas Gerais e a produção de lenha a partir do cultivo de árvores plantadas, diferente da produção de lenha por extração vegetal, está concentrada no Sul.
TABELA 7.6 - Silvicultura
PRANCHA 7.8
Pecuária e produção animal
No Brasil a pecuária de animais de grande porte é praticada predominantemente de forma extensiva, devido a grande disponibilidade de terras. Esta prática é um dos fatores que contribuem para a subutilização da terra no país. Os rebanhos predominantes nos médios e grandes estabelecimentos são o bovino e o bubalino, o último específico do Norte do país. A distribuição dos eqüinos e muares se assemelha à distribuição do gado bovino, já que são utilizados para lidar com o gado, além de constituírem força motriz para estabelecimentos que não possuem trator. Os asininos e caprinos são específicos do Nordeste por suportarem melhor as características climáticas da região. Os ovinos são mais comuns no Nordeste e no sul do Rio Grande do Sul, sendo que na última região predomina a criação de ovelhas para produção de lã. Os rebanhos de aves e suínos são importantes no Sul, Sudeste e no estado de Goiás, regiões que concentram a produção comercial desses rebanhos. Na criação de aves e suínos para a cadeia do agronegócio predomina o sistema de integração dos agricultores familiares às grandes empresas produtoras de carnes. Corrente no Sul, esta atividade tem se deslocado cada vez mais para o Centro-Oeste, acompanhando a expansão da produção de grãos, base da alimentação dos rebanhos. O estado de Goiás se destaca por conjugar a produção de grãos e maior proximidade com os centros consumidores e portos do Sudeste.
TABELA 7.7 – Rebanho e produção animal
PRANCHA 7.9
Ovos de galinha e leite de vaca são produzidos principalmente nos pequenos estabelecimentos. É também nos pequenos estabelecimentos que o rebanho bovino é mais direcionado à produção de leite, já que concentram 37,7% do rebanho e 71% da produção de leite. Essa proporção diminui nos médios estabelecimentos, o que indica a especialização dos grandes na produção de gado de corte. Quanto maior o estabelecimento pecuarista, mais direcionado à pecuária de corte. Uma das causas dessa tendência é a ligação entre latifúndio e pecuária de corte extensiva. Os latifúndios utilizam a pecuária extensiva de corte para validar a produtividade da terra, mas que geralmente conta com número ínfimo de cabeças por hectare. Também são os grandes estabelecimentos que podem mobilizar maiores proporções de suas terras para a criação de gado de corte, já que o pequeno estabelecimento necessita de áreas para plantação e uma fonte de rendimento constante, que é encontrada no leite. O mapa de vacas ordenhadas (prancha 7.10) mostra que as maiores proporções de vacas ordenhadas no rebanho estão nas proximidades de centros consumidores. Mato Grosso do Sul, Mato Grosso e o sul do Rio Grande do Sul, onde os grandes estabelecimentos são mais comuns, prevalece o rebanho de corte.
PRANCHA 7.10
O crescimento do rebanho bovino é característico da frente pioneira da fronteira agropecuária, onde o latifúndio utiliza o rebanho para indicar produtividade das terras. A exploração dos dados do rebanho bovino desde 1990 evidencia o processo de crescimento junto à frente pioneira. O mapa 7.5 mostra duas frentes de expansão do rebanho do gado bovino. A frente em verde indica o grupo de microrregiões em que o rebanho apresentou crescimento desde 1990, porém de forma menos intensa, isso por que o crescimento mais intenso do rebanho nesta frente se deu antes de 1990. A frente em amarelo é composta por microrregiões com o mais intenso crescimento do rebanho bovino, principalmente a partir de 2002. As microrregiões em azul apresentaram pequeno decréscimo no rebanho bovino no período. O mapa 7.5 não deixa dúvidas quanto a associação entre frente pioneira e gado bovino.
MAPA 7.5
Em síntese, podemos concluir que o quadro geral da agropecuária brasileira indica uma grande produção a partir de sistemas diferentes. Embora a tecnologia seja a propaganda de um campo moderno do agronegócio, a maior parte dos estabelecimentos agropecuários brasileiros não dispõe sequer de tratores para laborar a terra. A alta produtividade, territorialmente concentrada no Sul, Sudeste e Centro-Oeste contrasta com a estagnação do Nordeste. O Norte se destaca pelo extrativismo de produtos florestais e infelizmente também pela extração da floresta – a madeira. O planejamento da agropecuária brasileira direcionada para alcançar superávit na balança comercial brasileira agrava ainda mais a situação agrária do país, já que desta forma o campo é visto cada vez mais como um lugar de produção exclusivamente econômica, suplantando suas características de lugar de vida e reprodução social. Neste sentido, o campo é cada vez mais planejado para o agronegócio.
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NOTAS
(26) Os dados do IBGE são referentes apenas à extração legal de madeira. Isso significa que a extração total é superior, já que é comum a extração ilegal de madeira.