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A AGRICULTURA NA OCUPAÇÃO DO TERRITÓRIO BRASILEIRO

Para iniciarmos este tópico são necessárias duas delimitações. A primeira diz respeito ao conceito de território nacional. De acordo com nossas discussões na seção "espaço geográfico e território: conceitos-chave para a Geografia", nessa abordagem, território é o “nome político para o espaço de um país.” (SANTOS e SILVEIRA, 2008, p.19). A segunda delimitação é sobre a ocupação do território nacional, que é diferente da conquista do território. A conquista do território nacional é caracterizada pela instalação de fortificações, realização de guerras, assinaturas de tratados etc., de forma que a ocupação pode contribuir para a conquista do território. Contudo, a ocupação do território não ocorre necessariamente em conjunto com a conquista, de forma que a ocupação pode ocorrer em um território já conquistado. O processo de ocupação é caracterizado pelo estabelecimento efetivo de população e de atividades produtivas a partir da intensa transformação do meio natural, proporcionando a incorporação de porções do território ao sistema produtivo nacional.

A agricultura é a forma mais primária através da qual o homem altera a natureza primeira, o espaço natural. Ao laborar o solo e criar rebanhos o homem passou a produzir o espaço geográfico. O desenvolvimento da agricultura (e principalmente a sua intensificação) possibilitou o surgimento das cidades e a construção de um espaço geográfico cada vez mais artificial. No Brasil, historicamente a ocupação de novas áreas tem como característica a intensificação das atividades agropecuárias. Com a exceção da mineração, a extração vegetal e a agricultura monocultora de exportação foram as atividades econômicas desenvolvidas no Brasil que determinaram unilateralmente a forma de ocupação do território brasileiro até o século XX, quando a industrialização passou a ter importância nas atividades produtivas do País. Até então as regiões efetivamente ocupadas estavam localizadas na costa e a ocupação do interior era bastante rarefeita.

A ocupação do território brasileiro nos séculos XVI e XVII se iniciou pelo litoral nordestino e em seguida por algumas áreas do litoral do Sudeste. O pau-brasil era encontrado na Mata Atlântica, vegetação que se estendia por grande parte do litoral brasileiro no descobrimento. Os portugueses estabeleceram a produção de açúcar também no litoral, onde surgiram os primeiros povoados e núcleos urbanos. Como era uma produção voltada à exportação, a dificuldade de transporte terrestre da mercadoria até o litoral impedia o estabelecimento da produção em regiões interioranas.

Nos dois primeiros séculos de ocupação, com o crescimento da produção açucareira principalmente no Nordeste e a necessidade de maximização da produção nas áreas litorâneas, foi estabelecida no sertão nordestino uma pecuária extensiva baseada em grandes estabelecimentos. A pecuária tinha como objetivo o fornecimento de carne, força motriz e transporte para a produção açucareira. A pecuária também se estabeleceu em menor escala no Sudeste, também para dar suporte à produção de açúcar e à reduzida mineração. No sul do país, que no período ainda estava sob domínio espanhol, a atividade pecuarista era destinada especificamente à produção de couro. Neste primeiro período o vale do Amazonas também foi ocupado (de forma bastante tênue) para a extração das drogas do sertão.

No século XVIII a produção de açúcar diminuiu e a expansão da mineração, com auge naquele século, foi a alternativa encontrada por Portugal para a exploração da colônia. A mineração de pedras preciosas e ouro foi estendida para o interior da Bahia, Minas Gerais, Goiás e Mato Grosso, o que proporcionou a ocupação do interior, mesmo que de forma pouco densa. A pecuária e a agricultura de gêneros alimentares acompanharam a mineração e também se intensificaram no interior. Na segunda metade do século o algodão ganhou importância e teve seu auge no fim do século XVIII e início do século XIX. Também no final do século XVIII e início do século XIX a pecuária no sertão nordestino decaiu devido à seca e a região Sul passou a ser importante fornecedora de charque.

O século XIX foi marcado por um aumento significativo da ocupação do território brasileiro, sendo que fatos políticos e econômicos influenciaram a atual configuração da distribuição de densidades no território. Um evento político marcante foi a transformação do Rio de Janeiro, capital da colônia desde 1763, em capital do império Português com a vinda da família real em 1808. O segundo componente, de ordem econômica, foi o desenvolvimento da produção de café no sudeste. A cafeicultura teve seu ápice entre meados do século XIX e início do século XX, quando foi a principal atividade econômica do país. O cultivo do café foi iniciado no Rio de Janeiro na primeira metade do século XIX e expandido para o sul de Minas Gerais, sul do Espírito Santo e leste de São Paulo, no vale do Paraíba. Também foi no século XIX que a extração de borracha se desenvolveu na região amazônica, para onde houve um grande fluxo de migração nordestina. O ciclo da borracha entrou em decadência na década de 1920, com a concorrência da borracha produzida em plantações no sudeste asiático. No Nordeste, o cultivo do algodão passou a dividir importância econômica com a produção de açúcar, decaindo a partir do primeiro quarto do século.

A iminência do fim da escravidão negra, ocorrida em 1888, incentivou a vinda para o Brasil de um grande contingente de população européia, seguida mais tarde pela imigração japonesa. Entre os anos de 1885 e 1934 entraram no Brasil, através do estado de São Paulo, 2.333.217 imigrantes. A imigração européia também foi importante no século XIX para a ocupação da região Sul do Brasil, onde foi estabelecida a colonização camponesa por imigrantes italianos, alemães e eslavos. As décadas de vinte e trinta do século XX foram caracterizadas pelo declínio do café e a transferência de capitais desta atividade para o setor industrial paulista, que se desenvolveu intensamente nesse período. A partir de então a industrialização passou a causar alterações na agricultura pela demanda de matéria-prima, mão-de-obra e alimentos para a população urbana.

No Brasil, historicamente a agricultura camponesa desempenhou papel crucial para o desenvolvimento das grandes culturas de exportação e das atividades mineradoras, pois garantia a produção de alimentos para o abastecimento interno. Como descrito por Prado Jr. (1994 [1945]), não havia interesse do grande estabelecimento na produção de excedente de alimentos para a população não agrícola da colônia. Os gêneros alimentares para abastecimento dos grandes estabelecimentos eram produzidos no seu próprio interior, seja pela iniciativa do senhor das terras ou então pela concessão de terra e de um dia na semana para que os escravos produzissem seu próprio alimento. A população dos povoados era abastecida por uma agricultura camponesa baseada em pequenos estabelecimentos, que nem sempre conseguia suprir a demanda dos povoados, e por vezes também fornecia alimentos para os grandes estabelecimentos monocultores. O colonato nas lavouras de café também apresentou sistema semelhante, de forma que os imigrantes europeus e japoneses praticavam a agricultura camponesa de autoconsumo nas terras concedidas pelos patrões. Por fim, talvez o caso mais explícito da importância da agricultura camponesa na ocupação do território seja a colonização européia com base na agricultura camponesa, implantada no sul do país.

Quanto à posse e propriedade da terra, até a independência do Brasil o sistema de sesmarias era a única forma de acesso à terra. Após 1822, a ocupação de novas terras e o seu registro junto às paróquias permitia a sua apropriação, mas este sistema foi proibido com a lei de terras de 1850, mesmo ano em que houve a proibição do tráfico negreiro. Por esta lei, toda terra não ocupada até o momento foi declarada pública e o acesso à terra passou a ser condicionado à compra. Isso impediu que os escravos libertos em 1888 e os imigrantes que chegavam para substituí-los tivessem acesso a terra. A apropriação fraudulenta das terras após 1850, com falsificação de títulos, deu origem às terras devolutas, um dos agravantes da situação fundiária atual.

O período que compreende o final do século XIX até a década de 1950 foi caracterizado pela ocupação do oeste do estado de São Paulo, com o avanço da frente pioneira. A década de 1920 marcou o avanço na ocupação do oeste e do norte do estado do Paraná, em parte como extensão da ocupação do estado paulista. A porção ocidental do estado de São Paulo, como analisado por Pierre Monbeig (1984 [1949), foi ocupada principalmente com o desenvolvimento da cultura do café, algodão e pecuária bovina, que davam continuidade à produção direcionada à exportação. A ocupação do estado de São Paulo pode ser considerada a primeira fronteira agropecuária brasileira. Já estabelecida no leste do estado, principalmente na região do vale do Paraíba, a produção de café avançou sobre o planalto paulista. O estabelecimento de uma rede ferroviária considerável, que contava inclusive com capitais dos fazendeiros, ligando o interior à capital e ao Porto de Santos, foi indispensável para a ocupação do estado de São Paulo. O fluxo migratório para a fronteira agropecuária era formado principalmente por imigrantes europeus, japoneses e de Minas Gerais. Com a crise de 1929 e a segunda guerra mundial o café perdeu importância, mas a demanda por algodão e carne aumentaram por parte dos EUA, envolvido na guerra. Nas culturas de frente pioneira, além do arroz e do milho, passaram a ter importância outras culturas destinadas à alimentação da crescente população urbana brasileira. Desta forma, mesmo com o declínio da rentabilidade da produção de café, a frente pioneira paulista continuou avançando, perdendo força a partir de 1940, quando os fluxos migratórios passaram a ter como destino principal o estado do Paraná. (MONBEIG, 1984 [1949]).

Em relação à apropriação da terra na ocupação do interior paulista, a especulação (inclusive por companhias estrangeiras) e a grilagem eram práticas conhecidas, já descritas por Monbeig (1984 [1949]) e minuciosamente estudada por Ferrari Leite (1998) no Pontal do Paranapanema, última região ocupada do estado de São Paulo. Grandes glebas apropriadas por esses grileiros ou empresas (grileiras) foram desmembradas e vendias de forma fraudulenta. Atualmente os grilos mais evidentes são contestados judicialmente pelos movimentos sociais que lutam pela reforma agrária.

A partir da década de 1920 as porções norte e oeste do estado do Paraná passaram a ser novas regiões da fronteira agropecuária Brasileira. A produção de café foi muito importante na ocupação da região norte do estado. Após ocuparem as terras roxas da região centro-sul do estado de São Paulo e, em virtude de uma política paulista de taxação de novas plantações de café, os cafeicultores paulistas avançaram em direção ao norte do Paraná nas décadas de 1930 e 1940. O Estado atuou na ocupação do norte e do oeste paranaenses através da concessão e/ou venda de terras para companhias privadas de colonização e pela realização de projetos públicos de colonização. A ocupação foi realizada priorizando a pequena propriedade, com o desenvolvimento de extração florestal, produção de café e produção de alimentos (milho e feijão principalmente) para abastecer o mercado interno brasileiro. A grilagem de terras também foi prática verificada na apropriação da terra. A ocupação contou com contingente de migrantes do Rio Grande do Sul, paulistas, mineiros e dos estados do Nordeste. Os anos do final da década de 1960 e início da década de 1970 foram caracterizados pelo inicio de modernização da agricultura brasileira, promovido pelo governo militar. A eliminação dos cafezais e incentivo à produção de culturas mecanizáveis como a soja para atender a demanda internacional proporcionaram a expulsão dos pequenos proprietários e a concentração fundiária no Paraná. Os camponeses expropriados no estado tiveram como destino a nova fronteira agropecuária brasileira, agora localizada no Centro-Oeste e na Amazônia. (SWAIN, 1988).

No início da década de 1970 o Centro-Oeste brasileiro (região dos cerrados) e a região amazônica passaram a ser a nova fronteira agropecuária brasileira. Configurada até então pela baixa densidade de ocupação e grande disponibilidade de terras, a região passou a receber os contingentes de camponeses expropriados de outras regiões e, ao mesmo tempo, o investimento de capitais produtivos e especulativos. O Estado teve papel determinante na definição desta nova fronteira agropecuária, ainda em expansão atualmente. A ocupação dessas novas áreas de fronteira ocorreu a partir de projetos de colonização públicos e privados em uma parceria entre Estado e capital. Grandes porções de terras foram vendidas a preços irrisórios ou doadas a empresas privadas para o estabelecimento dos projetos de colonização ou extrativismo florestal e mineral. Grande parte dessas terras serviu para especulação fundiária e estratégia para obtenção ilegal de crédito. (OLIVEIRA, 1997).

A ocupação de Rondônia, por exemplo, realizada por projetos públicos de colonização, foi baseada na pequena propriedade voltada à produção de café e recebeu principalmente camponeses expropriados do norte e oeste do Paraná. Já a ocupação da região dos cerrados, especialmente Mato Grosso, foi realizada através de colonização privada e tem como característica o estabelecimento do agronegócio, com uma agricultura monocultora de alta produtividade especializada na produção de soja, milho e algodão destinados ao mercado externo. A pecuária bovina também tem grande peso na produção agropecuária da fronteira e mantém sintonia com a agricultura, pois é estrategicamente praticada em áreas recém desflorestadas que se tornam áreas do agronegócio em seguida. Esta agricultura dependente de altos investimentos de capital constante na fronteira agropecuária só foi possível devido aos investimentos do Estado na pesquisa agropecuária e financiamentos.

Além da agropecuária, a mineração e a exploração florestal têm grande importância na fronteira agropecuária. A ocupação do leste amazônico é caracterizada pela implantação de grandes projetos de extração florestal e mineral. Atualmente a floresta amazônica sofre investidas na região norte de Mato Grosso, Rondônia, sul e leste paraenses e norte do Maranhão. No Cerrado, o movimento recente da ocupação está no norte de Goiás e Tocantins. A fronteira agropecuária atual tem como característica o significativo processo de urbanização da população nas regiões mais consolidadas, com exceção da frente pioneira. O alto grau de urbanização das regiões da fronteira pode ser explicado por sua contemporaneidade com a modernização da agricultura. A frente pioneira, movimento responsável pela abertura de noras áreas, é caracterizada pelo grande desflorestamento e pelo intenso conflito e violência no campo. Trata-se de uma fronteira agropecuária em plena expansão ainda na atualidade. Campesinato, agronegócio e latifúndio coexistem no processo de ocupação dessas regiões, porém os conflitos entre eles são intensos, assim como a violência, resultante da não solução desses conflitos.

Com a fronteira agropecuária no Centro-Oeste e Norte chegamos à atualidade neste breve histórico de ocupação do território brasileiro. Na ocupação atual da fronteira agropecuária se repetem os fatores históricos que privilegiam o latifúndio e a grande propriedade monocultora voltada ao atendimento do mercado externo. Como vimos, o campesinato esteve presente em todo este processo histórico de ocupação do território, resistindo e sendo utilizado pelo grande estabelecimento e pelo capital. A fronteira agropecuária é um dos principais elementos que compõem a questão agrária brasileira na atualidade.

 

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